sinestesia

Oceano. Os pés enterrados na areia fria... Vento balançando o cabelo.
Solidão.
Há alguns minutos atrás um barco surgiu deslizando na água. Atravessa imperceptivel, o mar. Ele pode me ouvir? Será que ele me leva?
O som é calmo. As ondas reverberam nas paredes negras do universo e eu as escuto. Eu vejo o sol tocar seus dedos sobre o mar para sorrir o azul do céu.
Uma gaivota joga conversa fora ali do lado. Voa fácil zombando da minha falta de asas.
Estiro a lingua pra ela.
De repente começou a surgir gente por aqui. Duas crianças apareceram longe, uma com bola de futebol embaixo do braço. Atras de mim escuto um grupo de jovens fazendo algazarra.
Me levanto.
Tiro a camiseta, coloco areia em cima dela para não voar.
Ando para o mar.
A água está gelada, meus músculos reclamam. Entro sem muito barulho, sem muito movimento. Não há ondas agora.
Mergulho a cabeça. Aqui é tão seguro. Escuto... Um ruído que não é barulho, não é som. É a engrenagem do mundo.
Volto a superfície e reconheço sons que não havia percebido. Um carro de som na avenida muito longe toca uma música qualquer. Viro-me de costas para o oceano. Lá estão os prédios. Vejo o meu logo ali na frente. É grande e sujo.
Faço ondas com a mão e rodopio as vezes como uma criança dentro d'água.
Umas ondas pequenas movem meus braços soltos.
Nado para o fundo. É mais gelado aqui.
Meus pés não tocam o chão. Estou voando no mar.
Boio.
Deixo que a correnteza me carregue e o sol me aqueça. A água entra no meu ouvido.
Adormeço.
Acordo num susto, mergulho o corpo na água. Sinto frio.
Não vejo a praia, não vejo ninguém.
Me desespero.
Nado a esmo, sem saber pra onde estou indo e sem tampoucou chegar a qualquer lugar.
Tento entender.
Será que é aqui que chego ao fim?
Será que é aqui, impregnado de oceano, onde entregarei a inércia do meu corpo a este mundo que me foi adverso?
Ora que seja.
Sobrevivi à vida, de certo estarei vivo depois de morto.
Boio.
A correnteza me carrega, afundando minha vida nos seus braços.
E aqui nesta cama azul onde minha mente cansada de pensar descarrega seus últimos impulsos e meu corpo treme perante a súbita constatação de que enfim minha hora chegou ... eu me permito.
Permito-me olhar sem medo para a luz intensa do sol.
Ela queima o filme da minha vida. Todas as fotos, todos os momentos. Todos rebobinados e queimados. Alguns que nunca cheguei a revelar.
Queima meus olhos e abre as portas para minha alma aprisionada alçar vôo.
Vejo a gaivota.
Ela acente com o bico.
Migramos juntos para as terras mornas onde há luz, onde há paz.
E tudo, enfim...

é silêncio.

1 comentários:

Anônimo disse...

"Sobrevivi à vida, de certo estarei vivo depois de morto."

Um dia eu volto pra comentar esse texto.