Um texto estranho sobre o que uma sandália me fez pensar.

Hoje eu me decepcionei comigo mesmo, novamente.
Hoje na faculdade foi dia da única aula que presta - a de sociologia, porque é a única em que um professor expõe qualquer coisa realmente - e vez ou outra divaguei pra fora da sala, inevitavelmente.
Minha decepção foi dar-me conta que enquanto a professora dizia que no Brasil ainda existem mulheres que morrem por falta de atendimento no trabalho de parto, eu estava pensando na nova e cara sandália que quero comprar.
Outro dia assisti na TV Cultura uma entrevista feita com o médico norte-americano Patch Adams, que inspirou o filme homonimo estrelado por Robie Williams. Ele disse tanta coisa certa e real... Respostas que atingiam o âmago dos grandes problemas humanos e soluções da busca incerta de felicidade. Ai eu pensei que era ele quem eu queria ser... Aquele homem que dissemina o bem e o realiza.
Mas ai eu me olho e não consigo entender porque aquela sandália não desaparece da minha lista de desejos e porque ela aparece vez ou outra na minha mente, vinda da vitrine brilhante e multicor.
Me pergunto por que eu quero aquela sandália. Eu me respondo que eu gostei dela, que é fashion, eu vou me sentir bem usando e na verdade surpreendi-me quando constatei que não é minha intenção fazer exibicionismos ou demonstrações de falsa superioridade por meio dela. Eu não quero que as pessoas vejam a marca dela, eu quero que vejam que tive os olhos para escolher aquela sandália e como ela é bonita. Descobri que simplesmente gostaria de me ver usando-a. Descobri que minha paixão por roupas e afins não é só porque quero que as pessoas me vejam usando determinadas peças, isso não é o mais importante. A grande razão disto é porque eu gosto de me ver usando determinadas roupas e determinadas sandálias. Vi que minha relação com elas é mais do que simplesmente estética. É um sentimento de bem-estar consigo mesmo, de paixão até. Como se cada blusa fosse um amiga que compartilhou momentos ou que promoveu situações. Dou-me conta que algumas delas são capazes um pouco de me definir e outras são meus disfarces que uso nos lugares ao qual não pertenço sob os olhares das pessoas que não entendo. Sinto, quando coloco uma sandália ou quando visto uma calça, que ali estou vestindo sentimentos, traduções e momentos. Vejo que resignifiquei a matéria reles transformando-a em um vestuário da alma. Pois as cores refletem meu estado de espírito e as combinações substanciam meus sentimentos.
Mas mesmo assim me sentiria muito mal se comprasse aquela sandália. Salvo os 10 min. de quase felicidade após passado o cartão de crédito, cairia sobre mim o peso do mundo e de sua maioria. Claro que eu jogaria o mundo de lado, fingindo que ele não está ali e que tudo está muito bem com a minha nova sandália no pé. Isto é típico de mim.
É por isso que hoje eu determinei a mim mesmo que não vou mais comprar peças de marca. Continuarei comprando minhas roupas (e sandálias!) e repugnando o fato de que as mais interessantes e que inevitavelmente são as que mais gosto, custam um valor que compraria muitas cestas básicas. Decido abrir mão de não tê-las (e assim abandonando algumas de minhas camuflagens) ao custo de ajudar outras pessoas, o que é uma forma de me sentir bem ao mesmo tempo.
Aquele par de sandálias me ensinou hoje, no caminho de volta pra casa, que não é nenhum grande mal eu gostar (e até ser um pouco apegado, peço perdão por isso) de estar comprando roupas e sandálias novas, uma vez que elas me fazem bem. O errado é gastar tanto em tão pouco.
Mas por um outro lado mais perto daqui, eu sei que aquela sandália não vai me abandonar. Ela vai me perseguir muito até que eu faça de conta que não despendi nenhum dinheiro com ela ao coloca-la na minha lista para papai noel.
Eu sou fraco eu sei.
Digo estas coisas, mas qualquer dia desses vou estar fazendo o contrário. Vivo querendo fazer de conta que não tem problema e que tudo está muito bem.
O que eu queria era ajudar as pessoas. Mas nem eu consigo me ajudar a ser feliz.
E ainda tem esse "inconveniente" sentimento de culpa sempre que compro.
Ai eu vivo nesse celeuma na minha vida. De fazer o errado figindo ser o certo.
De comprar aquele par de sandálias e fazer de conta que ela não mataria a fome de tantas pessoas.

1 comentários:

Luz disse...

Gostei do texto postado sobre a sandália, me identifiquei muito com ele. Gostaria de conversar com o autor, gosto de conhecer pessoas reflexivas, reflito muito sobre minhas ações, e as ações de consumo de moda são as que mais me inquietam.
Gostaria de trocar idéias, indicar leituras interessantes que já fiz e obter conhecimentos também.